Clóvis Graciano (1907-1988), filho de imigrantes italianos, foi um dos destacados artistas da segunda geração do modernismo paulista. Numa segunda fase da carreira, depois de um estadia de dois anos na Europa, o pintor, já então com um percurso profissional reconhecido, dedicou-se principalmente à concepção de murais, alguns deles realizados em azulejos.
Os painéis da avenida Rubem Berta, encomenda da edilidade para o aniversário de fundação da cidade, representam os momentos consagrados da história do município, com os jesuítas a subirem a serra do Mar para atingir o planalto paulista, as bandeiras que desbravaram o interior brasileiro, o ciclo do café e o desenvolvimento da indústria e, por último, num prenúncio do futuro, a representação da cidade dos altos edifícios.

Essa opção de Graciano pela arte pública, numa tardia evocação do movimento muralista mexicano – já sem o ímpeto revolucionário propalado por David Siqueiros como a “antítese à pintura de pequenos quadros, modalidade artística burguesa, restrita, individualista, sem repercussão nas massas” –, manteria ainda um grande poder de comunicação na opinião do brasileiro, já que os painéis de azulejos poderiam ser vistos por todos que transitavam na avenida que fazia agora a ligação com o aeroporto de Congonhas, que inaugurou a sua ala internacional em 1959.
O painel é a forma mais democrática de pintura. O governo se quisesse, poderia mandar pintar painéis em logradouros públicos, como estações, praças de esportes, etc. É uma forma de levar a arte ao povo, de imortalizar momentos históricos, de maneira que todos tenham a possibilidade de vê-los. A tela pertence a uma minoria. O painel, a todos quantos queiram vê-los. (“São Paulo mostrará em sua entrada murais de Graciano”, Folha de S. Paulo, 15 de janeiro de 1969)

Num texto brilhante, nas primícias da revelação da escola paulista, o escritor e crítico Mário de Andrade caracterizou o grupo do Palacete Santa Helena como formado por estrangeiros e filhos de imigrantes que lentamente transitavam de anónimos trabalhadores decoradores para o privilegiado estatuto de pintor-artista. Essa origem sociológica explicava certa reverência aos tradicionais géneros pictóricos do retrato, da paisagem e da natureza-morta, que acabavam por servir de caução a essa nova posição social que afanosamente queriam atingir.
Com esse mesmo viés sociológico, ao privilegiar uma história dos ciclos económicos com a representação heroica e sofrida dos indígenas, negros escravos e operários, Graciano assumia as ideias marxistas da importância da força de trabalho no desenvolvimento da sociedade brasileira, como se fosse papel da arte resgatar uma dívida de reconhecimento por esse esforço anónimo do passado. Essa penosa força geradora de riqueza é visível nos rostos marcados e nos músculos retesados dos trabalhadores, com melhor resultado plástico nas telas do pintor com temas semelhantes do que propriamente nos painéis de azulejos.

É particularmente interessante que, em conjunto com esse reconhecimento do passado, o sentido crítico do pintor se volte para o futuro, com a denúncia da geometria desumana dos grandes edifícios de linhas retas da cidade. Numa situação de compromisso com o orgulho histórico da identidade paulista, que obviamente os dirigentes autárquicos queriam afirmar, a elisão da crítica das injustiças sociais do presente é compensada para reclamar um desejo de humanidade que não parece acautelado para o futuro dos habitantes de São Paulo:
A cidade do futuro, para mim, vai ser uma cidade anônima, impessoal. Ninguém vai viver nela. Vai haver uma cidade onde se trabalha e uma para se viver realmente. (“A arte no meio da rua”, Folha da Tarde, 1969)

Por essa razão “humanista”, o pintor não seguiu a via do abstracionismo geométrico que animou as investigações da criação artística contemporânea. Também fica claro que a ligação com a utilização da azulejaria portuguesa foi feita principalmente no domínio das ideias, sem o suporte de uma tradição técnica, com a assunção de toda uma paleta nova de cores cerâmicas, alimentada pela inovação química e tecnológica, uma característica fundamental para Clóvis Graciano se afirmar como um pintor do seu tempo.
BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre Clóvis Graciano. São Paulo, 1944.
FREITAS, Aline Hübner. Clóvis Graciano: Estratégias de amizade e as inter-relações entre os muralistas mexicanos e os modernistas brasileiros. Tese de doutoramento, Universidade Estadual de Campinas, 2023.
SANTOS, Wilson Vieira dos Santos (editor). O trabalho na arte brasileira. Modernismo. Organização Internacional do Trabalho, 1994.

