Em 1649, a corte joanina comoveu-se profundamente com a morte prematura de D.ª Maria de Ataíde, a fazer fé na memória dos seus admiradores, a mais bela dama do paço, filha dos Condes de Atouguia. O já então famoso pregador António Vieira foi convidado para realizar o sermão fúnebre, que acabou por ser publicado na companhia de um conjunto de poemas, epigramas e epitáfios literários para formar um doloroso parnaso lusitano, com a presença dos mais notáveis literatos da época.
Com a habitual sagacidade em tirar o melhor partido do conflito entre a fragilidade da emoção humana e a força da sabedoria de Deus, o pregador jesuíta assumiu a validade da queixa universal da brevidade da vida, ostensivamente injusta quando ceifa uma de apenas 24 anos:
Pois se a Job, se ao espelho da paciência, sendo tão largos seus dias, lhe parecem breves; se a David, se á columna da fortaleza lhe parecem mal medidos: se a Jacob, se ao exemplo da constancia lhe parecem poucos, & maos: que razaõ naõ terá para queixar-se huma idade tanto mais curtamente medida, tanto mais brevemente contada, tanto mais apoucada nos dias, tanto mais em flor cortada?

Como era comum nas reuniões académicas, onde os poetas concordavam em utilizar os mesmos conceitos, poucos foram os literatos que não glosaram o tema da flor que se extingue no auge da beleza para avisar-nos sobre a brevidade da vida na Terra. Uma flor é o espelho da vida, e o vento a leva embora.
Como bem demonstrou o estudo de João Pedro Monteiro, os encantadores painéis de azulejos do Convento da Esperança de Lisboa, infelizmente dispersos por vários museus e coleções particulares, propõe uma outra relação metafórica com a beleza das flores, que pode ser conotada com a esperança, exatamente porque ambas são frágeis.
Frei Isidoro de Barreira, monge do Mosteiro de Cristo, em Tomar, no seu Tratado de significação das plantas e flores esclarece por onde se constrói essa metáfora, em tudo semelhante à da brevidade da vida:
Esperanças comparão-se a flores, porque duram tam pouco, como as flores, & padecem tantos inconvenientes como ellas. Santo Isidoro diz, que o nome de flor, vem desta palavra, Fluo, que em latim quer dizer correr a agoa pera baixo. Assi sam as esperanças de cousas do mundo, que correm depressa, & desaparecem, como agoas, que vam pera o mar.

Mas a beleza das flores permite ainda uma terceira interpretação, mais próxima da vida contemplativa das freiras do Convento da Esperança. Segundo os sublimes versos do evangelho de São Mateus (6: 28-30), devemos aprender com as flores que, desprezando os bens da vida terrena, nada fazem e confiam absolutamente na providência divina: Olhai para os lírios do campo, como eles crescem, não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Como explicou Santo Hilário, glosado na mesma obra do monge da Ordem de Cristo:
Não tem estes Lirios que trabalhar, nem que merecer, porque as virtudes Angelicas pela ditosa sorte que lhes coube de bem-aventurança, tudo tem, & nada lhes falta, nem pode faltar.
Como deixa perceber o cuidadoso rigor da representação da flora nesses painéis, não há nenhuma incompatibilidade entre a reprodução minuciosa da natureza e sua associação a um contexto moral. Pelo contrário, quanto maior a acuidade na representação da beleza das flores, melhor a expressão da ideia dos benefícios da fé em Cristo, nosso Salvador.
Para reforçar a ideia da importância da confiança na providência divina, um segundo painel do conjunto, com a representação de um pavão, com a cauda aberta com os cem olhos de Deus, sobre um túmulo, combina as palavras de dois versículos dos Salmos: Os meus olhos esvaídos (Salmos 88: 10) e A luz para os meus passos (Salmos 109: 105). No conceito do emblema, Cristo é um guia seguro no caminho para a vida eterna, e essa confiança é a virtude teologal da Esperança.
Provavelmente realizados entre as vultosas obras de 1664 e 1673, os sete painéis do claustro do Convento da Esperança, com os seus vasos de flores contemplativas, manifestam a estreita relação entre o programa iconográfico e a regra franciscana das Clarissas de Portugal.

BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
A.A.V.V. Memorias funebres sentidas pellos ingenhos portugueses, na morte da Senhora Dona Maria de Attayde. Offerecidas a Senhora Dona Luiza Maria de Faro Condessa de Penaguiam. Lisboa: Officina Craesbekiana, 1650.
FIGUEIREDO, Paula. Mosteiro de Nossa Senhora da Piedade da Esperança, in Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA), 2012. Publicação on-line: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=34033.
MONTEIRO, João Pedro. “Os vasos floridos do Convento de Nossa Senhora da Esperança de Lisboa”, in Azulejo. Lisboa: Museu Nacional do Azulejo, 1991, n. 1, pp. 33-44.
BARREIRA, Isidoro de. Tratado das significaçoens das plantas, flores, e fruttos, que se referem na Sagrada Escrittura: tiradas de divinas, e humanas letras, com suas breves considerações pelo Padre Fr. Isidoro de Barreyra. Lisboa: Officina de Manoel Lopes Ferreyra, 1698.
