Categories
Arte

Athos Bulcão e os azulejos de Brasília

Apesar de ser relativamente desconhecido, o legado artístico que Athos Bulcão nos deixou é uma demonstração de um imenso potencial criativo, em grande parte expresso através da azulejaria.

Nascido no Rio de Janeiro em 1918, Athos deve seu nome ao conhecido personagem d’Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas. Pertencente a uma família que desfrutava de uma vida desafogada, foi criado pelas irmãs mais velhas após a morte da mãe, ocorrida antes de que ele completasse cinco anos. Tendo em vista os eventos culturais a que teve acesso e os encontros com diversos intelectuais em sua juventude, não surpreende que tenha desistido do curso da Faculdade de Medicina Fluminense, ao fim do terceiro ano letivo, para seguir outro rumo.

O ponto de viragem para Bulcão foi o seu trabalho como assistente do pintor Cândido Portinari, aos 21 anos, fixando o seu interesse pelo azulejo como meio autoral e criativo. Desse período inicial destaca-se a execução do painel de São Francisco de Assis, na Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte. Bulcão viria a considerar o seu estágio com Portinari como crucial para a sua interpretação de cor e o desenvolvimento das suas competências no desenho.

Candido Portinari, Igreja da Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais © Morais
Candido Portinari, Igreja da Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais. Fotografia © Morais.

Apoiando a sua sensibilidade modernista no pensamento académico de Le Corbusier, Gropius, Van der Rohe e Frank Lloyd Wright, Athos aplicou uma visão holística à arte arquitetónica durante a década de 1940. Mais precisamente, um novo ponto de viragem aconteceu em 1942. Ao posicionar-se com Os Dissidentes, deixou clara a necessidade de uma renovação do sistema educacional do Rio de Janeiro. O movimento permitiu também o contato com dois nomes cruciais para sua carreira: Oscar Niemeyer e Lucio Costa, ambos defensores de um diálogo da arquitetura com as outras artes visuais.

Em 1944, Niemeyer deu a oportunidade a Bulcão de apresentar a primeira exposição a título próprio, no prédio principal do Instituto de Arquitetos do Brasil. A parceria com Niemeyer continuou, com Bulcão a ser o escolhido para o projeto do painel de azulejos do Teatro Municipal de Belo Horizonte. Embora a peça nunca tenha sido realizada, os dois continuariam vinculados na ideia das artes visuais como complementares à arquitetura.

Após uma temporada em França, de estudo e produtividade intensos, Athos retorna ao Brasil, para encontrar uma cena cultural muito mais diversa do que aquela que deixara. Em 1951, visita a primeira Bienal Internacional de São Paulo, que marca uma mudança da sua perspetiva a partir da premissa do evento: a modernidade brasileira não pode, simplesmente, desafiar as contrapartes estrangeiras, devendo antes procurar um diálogo permanente para troca de ideias.

Na verdade, a obra que realizou durante os anos 1950, para Brasília, revelar-se-ia a mais importante da sua carreira. Aliar-se a Oscar Niemeyer era já a escolha natural, depois da primeira colaboração efetiva com o arquiteto: a arte azulejar do renovado Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro – a primeira amostra de Bulcão como grande talento do azulejo artístico. Athos foi um dos primeiros cidadãos de Brasília. Além disso, rapidamente se tornou o mais requisitado artista a fornecer painéis, murais, divisórias e muitos outros atributos complementares às opulentas infraestruturas concebidas por Niemeyer.

Athos Bulcão e Oscar Niemeyer. © Acervo da Fundação Athos Bulcão.

De maneira geral, é possível remeter os traços e o estilo artístico de Bulcão a uma verdadeira ousadia inovadora. Em primeiro lugar, dá continuidade à tradição luso-brasileira do azulejo, mas com uma visão de futuro. A majólica, com a brancura sempre presente; a preferência pelo azul-cobalto e, em períodos posteriores de seu trabalho, a adição do amarelo e do verde; as cores são elementos-chave dos seus painéis de grandes dimensões ou em coberturas totais. Em segundo lugar, Athos tem um tom irreverente quando usa meios tradicionais, permitindo à indústria da cerâmica azulejar, talvez de maneira improvável, encapsular a modernidade. A sua obra é ideológica, não somente pelo estilo, mas também pela substância. No modernismo brasileiro, são temas centrais a dicotomia religiosa e científica e a luta proletária. A visão de Bulcão sobre tais conceitos é abstrata, resultando daí uma visão otimista de bem-estar e progresso rumo ao futuro. Essa abordagem subtil é propícia à paz social, onde a interação criativa resulta em ideias inovadoras.

Athos Bulcão, Ventania, Congresso Nacional em Brasília. © Acervo da Fundação Athos Bulcão.

No oposto da abstração suprematista ou construtivista, como Malevitch ou Max Bill, Bulcão deixa a imaginação caminhar sobre terreno mais fértil, permitindo uma imersão onírica com o circundante. Assumindo o papel de maestro, a sua sensibilidade perante a harmonia e os ritmos dos espaços é empática em relação aos gostos e às sensibilidades do artista, indo além da abordagem musical da arte, para aproximar-se da sequenciação cinematográfica de forma constante.

Embora Niemeyer marque presença mais ativa na memória coletiva atual, o legado de Bulcão na capital do Brasil é inegável. O revestimento externo em azulejos da Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima e o painel de azulejos no Palácio de Brasília, depois transformado num hotel, são alguns dos seus trabalhos mais conhecidos que consolidam a sua relevância como objeto de estudo no futuro.

BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

OLIVEIRA, Adriana Anselmo. Athos Bulcão e a moderna azulejaria brasileira. Vitória: Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, 2010.

WANDERLEY, Ingrid Moura. Azulejo na arquitetura brasileira: os painéis de Athos Bulcão. Dissertação de Mestrado. São Carlos: Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2006.

Athos Bulcão. Edição Colaborativa. São Paulo: Fundação Athos Bulcão, 2001.

Brasília, Congresso Nacional

12 replies on “Athos Bulcão e os azulejos de Brasília”

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s