A sacristia do mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, ostenta um dos mais belos programas decorativos das primeiras décadas do século XVII. Nada foi deixado ao acaso: a abóbada de berço foi decorada com uma combinação de octogonos e losangos em relevo pronunciado, as paredes receberam azulejos de padrões polícromos, de vários tamanhos, e o chão foi revestido com uma malha diagonal de ladrilhos de mármore negros e brancos.
Segundo Frei Nicolau de Santa Maria, o orgulhoso cronista da Congregação de Santo Agostinho, a sacristia era uma das mais belas não só de Portugal, mas de toda a Europa. O conjunto deslumbrava com as suas várias ordens arquitetónicas, uma correta proporção entre a altura, o comprimento e a largura, e um mesmo ritmo na distribuição dos painéis ornamentais:

Aos três paineis de abobeda desta Sancristia correspondem por baixo da cornija outros tres paineis guarnecidos de fino, & lustruso azulejo de Lisboa.
Ainda nas palavras do cronista, houve o cuidado de manter uma rigorosa correspondência entre a decoração da abóbada e o desenho do pavimento:
O pavimento debaixo desta Sancristia he correspondente ao tecto da abobeda, todo de lisonja de pedra branca, & preta floreada como em cima.
Essa profusa ornamentação, que para ser bela devia ser disposta com ritmo e simetria, foi essencial para conferir decoro aos espaços que acolhiam os preparativos para as celebrações do culto divino.
A coerência decorativa foi resultado da disseminação da cultura dos tratados de arquitetura, veículos de uma linguagem que, desde Sebastiano Serlio, se encontrava perfeitamente adaptada ao discurso da arquitetura clássica. Foram mesmo os tratados italianos que inspiraram a criação do maior padrão de azulejaria seiscentista, utilizado para harmonizar a escala, desde os grandes motivos da abóbada até ao nível inferior das paredes, mais próximas do observador, decoradas com padrões de motivos menores.
A preocupação com o correto dimensionamento dos elementos da arquitetura, uma questão fundamental dos tratados de arquitetura quinhentistas, serviu de orientação para a disposição dos padrões dos azulejos nas paredes da sacristia. Sem dúvida, as Regola delli cinque ordini dell’architettura de Giacomo Vignola, com a simplificação dos cálculos matemáticos para a definição das proporções, foram um contributo essencial para que a cultura matemática se consolidasse como um conhecimento erudito comum partilhado por arquitetos e encomendadores.
Ao lado da sacristia do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, concluída em 1622, com desenho do arquiteto régio Pedro Nunes Tinoco, ficava a sala do capítulo, também alvo de uma importante campanha decorativa por esses anos, para poder albergar o túmulo de São Teotónio, o primeiro prior do mosteiro. Toda a arquitetura, inclusive os azulejos enxaquetados, foram recobertos de ornamentos dourados, o elemento material que serviu para enobrecer e acrescentar coerência ao conjunto:
Pera se fazer esta trasladação mandou primeiro o P. Prior geral dourar, não só a Capella do S. Prior, mas toda a abobeda de pedra da Casa do Capitulo onde esta a Capella, & os azulejos com florões de ouro, ou rosas, & da mesma maneira mandou dourar o arco por onde se entra pera o mesmo Capitulo, que todo ficou cozido em ouro.

Também a nave da igreja do mosteiro possuiu uma decoração de azulejos semelhante, com a linguagem geométrica da matemática a se afirmar como ordenadora do discurso decorativo, tanto para os azulejos enxaquetados como para os azulejos de padrões, que fazem parte do mesmo ciclo de opulentas campanhas decorativas dos finais do século XVI e princípios do século XVII.
BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
CRAVEIRO, Maria de Lurdes. O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Coimbra: Direção Regional de Cultura do Centro, 2011. ISBN 978-989-95354-3-5
SANTA MARIA, Nicolau de. Chronica da Ordem dos Conegos Regrantes do Patriarcha Santo Agostinho. Segunda Parte. Lisboa: Oficina de João da Costa, 1668.
