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O triunfo do amor sobre a guerra

Na Quinta de Oeiras, dois painéis de azulejos figuram vitórias do amor sobre a guerra: Marte desarmado por Vénus e Andrómeda libertada por Perseu.

A fonte de água, como símbolo de vigor inesgotável, foi uma das arquiteturas escolhidas para celebrar a união amorosa e, com essa conotação, uma estrutura frequente nos jardins portugueses dos séculos XVII e XVIII.

Andrómeda libertada por Perseu. Sebastião de Almeida, c. 1765. ©ACM
Andrómeda libertada por Perseu. Sebastião de Almeida, c. 1765. ©ACM

Dessa forma, uma das fontes dos nichos que contornam o grande tanque dos jardins dos Marqueses de Fronteira, em Lisboa, com as armas esquarteladas dos Mascarenhas e dos Ataídes, marcou a união de D. Fernando com D. Joana Leonor, em 1672.  Quase um século mais tarde, nos antigos jardins da Quinta da Nossa Senhora da Piedade, em Vila Franca de Xira, os Condes de Portimão mandaram erguer um pequeno fontanário armoriado para comemorar a união de D. Isabel de Lencastre com D. Manuel Rafael de Távora.

Ao criar as condições para a reunião das famílias, os matrimónios foram uma parte essencial do contrato político e social. Em 1728, para limitar os crescentes conflitos na disputa pela posse de territórios da América do Sul, a diplomacia espanhola propôs a realização de um duplo matrimónio: para além do casamento entre o príncipe herdeiro espanhol e Maria Bárbara, o príncipe português deveria casar-se com a princesa Mariana Vitória. A primeira cerimónia com a Troca das Princesas realizou-se no Rio Caia, numa ponte-palácio de madeira construída para a ocasião, com vários pavilhões em ambas as margens. Entre os numerosos relatos e gravuras que celebram a dupla aliança, destaca-se a estampa gravada por François Harrewijn, com a personificação feminina das duas coroas ibéricas em abraço afetuoso. Em primeiro plano, a figura de um cupido a acorrentar o deus Marte simboliza a vitória da paz e da concórdia.

Persée délivre Andromeda. Louis Surugue after Charles Antoine Coypel, 1732. © Rijksmuseum.
Persée délivre Andromeda. Louis Surugue a partir de Charles Antoine Coypel, 1732. © Rijksmuseum.

A mesma imagem poética da vitória do amor sobre o deus Marte foi utilizada pelo Conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes, para a abertura da oração em celebração das bodas reais:

Accendeo-se no Olympo a brilhante tocha de Hymenêo, apagou-se no mundo o fulminante rayo de Marte; o ardor se escondeo na luz, e hum milhão de valerosos combatentes, que intentavão atear hum inextinguível incêndio no theatro de Europa, depondo as armas inflammaraõ as teas nupciaes para assistir festivos no Templo da gloria de Hespanha.

Erunt duo in carne una. François Harrewijn, 1729. © Biblioteca Nacional de Lisboa.

Um pouco mais velho, Sebastião Carvalho de Melo, depois de enviuvar, casou-se por segunda vez em 1745, em Viena, onde servia como embaixador de Portugal. A generalidade da corte portuguesa viu com bons olhos a união com D. Leonor Ernestina de Daun, num contrato que conferia um sólido reconhecimento social ao embaixador português e antevia um bom êxito para a missão diplomática do futuro Conde de Oeiras e plenipotenciário ministro de D. José I.

Na Quinta de Oeiras, nas escadas que ladeiam o nicho da fonte decorado com um suntuoso embrechado, dois painéis de azulejos figuram vitórias do amor sobre a guerra: Marte desarmado por Vénus e Andrómeda libertada por Perseu. Pintados por Sebastião de Almeida, por volta de 1765, as fábulas dos deuses da mitologia clássica realçam a importância da união amorosa duradoura entre D. Sebastião Carvalho de Melo e D. Leonor Ernestina de Daun, e do contrato nupcial na condução dos negócios do Estado.

Marte desarmado por Vénus. Sebastião de Almeida, c. 1765. ©ACM

BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

NATIVIDADE, Frei Joseph. Fasto de hymeneo ou historia panegyrica dos desposorios dos fidelíssimos reys de Portugal, nossos senhores. Lisboa: Manuel Soares, 1752.

CORREIA, Ana Paula Rebelo. Histoires en azulejos: Miroir et mémoire de la gravure européenne. Azulejos baroques à thème mythologique dans l’architecture civile de Lisbonne. Iconographie et sources d’inspiration. Tese de doutoramento, Université Catholique de Louvain, outubro 2005.

Oeiras, Quinta dos Marqueses de Pombal

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