A pintura dos azulejos da Igreja de Santiago concluiu um longo processo de reconfiguração do interior do templo, iniciado por volta de 1680, com a reconstrução do arco triunfal e a redefinição do programa decorativo da capela-mor.
As primeiras obras decorreram sob a direção do prior da freguesia, Cristóvão Soares de Albergaria, que assinalou o mecenato com o brasão de armas e a pintura de São Cristóvão, com o Menino Jesus às costas, colocado por cima do arco triunfal. No âmbito dessa mesma campanha pictórica, exibem-se ainda três episódios da Paixão de Cristo: o Ecce Homo, o Noli me Tangere e a Lamentação sobre o Cristo Morto.

O programa decorativo da igreja foi concluído entre 1699 e 1700, já na parte final do arcebispado de frei Luís da Silva Teles. O programa iconográfico articula os painéis de azulejos com os frescos do teto, em um discurso doutrinário sobre o sacramento da Eucaristia, tema fundamental para a Igreja Católica após o Concílio de Trento.
Os painéis de azulejos, uma das obras mais importantes de Gabriel del Barco, foram estruturados em três registros horizontais. No registro do meio, usando os dois lados da nave, quatro painéis contam a parábola do Filho Pródigo (Lucas, 15: 11-32): a partida após a divisão dos bens, a dissipação de todos os seus bens com as cortesãs, a humilhação com o infame trabalho de guarda dos porcos e, no final, a reconciliação com o pai misericordioso e feliz.
O registro inferior, em três painéis, elabora uma antítese dramática: o patriarca Abraão, obedecendo a uma ordem divina, está pronto para sacrificar seu filho (Génesis, 22: 1-19). Nos azulejos, observamos o encontro com os dois anjos que comunicam a ordem divina e acompanhamos o “calvário” de Isaac que carrega um feixe de lenha. Mas, como sabemos, Abraão foi impedido, no último momento, pela mão de um anjo, e o Patriarca, testado no mais profundo de seus sentimentos paternos, é um herói da fé inabalável na palavra divina. Seguindo essa mesma ordem de ideias, na exegese cristã, os episódios do sacrifício de Isaac são uma das prefigurações mais frequentes da Paixão de Cristo e da instituição do sacramento da Eucaristia.

De maneira peculiar, interrompendo a linha horizontal da história de Abraão, o quarto painel apresenta-nos o rei Davi, de joelhos, com o cetro e a coroa atirados ao chão, arrependido de sua atuação arrogante após o censo feito por Joabe. O Senhor, pela boca do vidente Gad, pede-lhe que escolha entre os castigos da fome, da guerra ou da peste para o seu povo (2 Samuel, 24: 12). No discurso iconográfico, o episódio justifica-se por estabelecer uma comparação antitética entre o rei pecador Davi e o fiel patriarca Abraão. Também podemos entender o episódio como uma prefiguração da Eucaristia, já que o altar que Davi ergueu no Monte Moriá serviu para expiação e remissão de seus pecados (2 Samuel, 24: 25).
Na parte superior, nos seis painéis do terceiro registo, como se pertencessem a uma estrutura de um sermão de imagens, estão os episódios da ação amorosa e evangelizadora de Jesus Cristo, complementando o programa iconográfico com a virtude da Esperança, a virtude da confiança na vida eterna e no sacramento da Eucaristia.
Entre eles estão dois episódios em que Jesus reconhece Zaqueu (Lucas, 19: 1-10), o rico cobrador de impostos “que estava perdido”, e quando Ele aceita a mulher pecadora. Ambos eram penitentes e predispostos a receber a palavra divina: o pequeno Zaqueu subiu à figueira para encontrar Jesus no meio da multidão, e a mulher dirigiu-se a ele com humildade e amor no banquete na casa do fariseu Simão.

A campanha de frescos no teto foi realizada no mesmo ano em que o pintor espanhol terminou os azulejos. Infelizmente, duas intervenções subsequentes alteraram as pinturas nas duas seções centrais (c. 1750-60) e no arco triunfal (c. 1910).
Se as virtudes teológicas da Fé (Abraão), Caridade (Filho Pródigo) e Esperança (Jesus) estruturam o discurso dos azulejos, os frescos do teto da nave são organizados de acordo com as quatro virtudes cardeais que apresentam um caminho de aperfeiçoamento espiritual e moral implícito no sacramento da comunhão eucarística.
Como era comum nos sermões, as orações bíblicas foram escolhidas como ponto de apoio das imagens. No primeiro trecho, uma contração de um versículo do Livro dos Provérbios – “Bem-aventurado aquele que encontra sabedoria e é rico em prudência” – é figurada por uma alegoria adaptada da conhecida obra de Cesare Ripa, com uma figura feminina segurando o espelho do autoconhecimento e da sabedoria, esta última representada pela serpente.
Do lado oposto, a figura da Temperança, misturando água no vinho, estimula a sã moderação dos desejos: “quem se abstém prolonga a vida”.

No coro alto, a figura da Justiça, associada ao versículo do Livro dos Reis, “ouve do céu”, sublinha a emanação divina da virtude, que foi delineada com os atributos tradicionais da espada e da balança. Traz também um feixe de varas que simboliza, como mais uma vez explica o iconógrafo italiano, que a justiça tem um certo tempo, nem cedo nem tarde, como a maturidade necessária para a colheita do vime.
Para a virtude da Fortaleza, simbolizada pela figura feminina segurando uma coluna, escolheu-se um trecho dos versos da canção em louvor ao Senhor que exorta a perseverança na busca do bem e do aperfeiçoamento moral.
Atribuído ao pintor Francisco Lopes Mendes, o conjunto manifesta a influência das obras da mais importante oficina de Lisboa, dirigida por António Oliveira Bernardes e José Ferreira de Araújo, repetindo as aberturas com balaustradas pintadas di sotto in sù, onde cinco figuras, reforçando o efeito ilusório, despejam um jarro de água, moedas de ouro, uma vela e uma pedra na direção do observador.
Sublinhando a unidade temática das imagens, o conjunto pictórico encerra no coro alto com uma representação monumental de dois anjos em veneração da Sagrada Eucaristia.
BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
MANGUCCI, Celso. “Sob o império da Retórica. Os programas iconográficos de Santiago e São Mamede de Évora” in Invenire. Revista de Bens Culturais da Igreja, n. 8, 2014, pp. 34-47.