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Os primeiros azulejos hispano-mouriscos produzidos na região de Lisboa

As primeiras evidências arqueológicas para a produção de azulejos em Portugal foram identificadas junto ao forno de Santo António da Charneca, localizado na margem sul do rio Tejo, próximo do Barreiro.

Os primeiros azulejos que se sabe terem sido produzidos em Portugal foram na realidade azulejos de pavimento produzidos no Mosteiro Cisterciense de Alcobaça. Conhecem-se outros exemplos no país de ladrilhos vidrados aplicados em pavimentos de palácios reais ou catedrais nos séculos XIII e XIV. As primeiras evidências arqueológicas para a produção de azulejos de parede em Portugal foram identificadas junto ao forno de Santo António da Charneca, localizado na margem sul do rio Tejo, próximo do Barreiro.

A produção cerâmica desse forno foi datada de fins do século XV, começos do XVI, e entre as numerosas peças de cerâmicas encontradas numa fossa de rejeitados situada perto do forno, salientou-se o achado de vários azulejos hispano-mouriscos. Parte dessas cerâmicas, incluindo os azulejos, está exposta no “Espaço Memória”, uma reserva arqueológica pertencente ao município do Barreiro. Também na Igreja Matriz de Alhos Vedros, localizada próximo de Santo António da Charneca, podem ver-se três “quadras” de azulejos hispano-mouriscos, na capela de São João Baptista, que foram produzidos no forno de Santo António da Charneca. Esta capela tem uma parede coberta com azulejos de produção sevilhana da primeira metade do século XVI e, muito provavelmente, os 12 azulejos produzidos no forno de Santo António da Charneca que aí foram aplicados destinaram-se a substituir os que teriam sido destruídos no terramoto de 1531.

Azulejos da capela de  São João Baptista da igreja de Alhos Vedros ©  LFVF
Azulejos da capela de São João Baptista da igreja de Alhos Vedros. Fotografia © LFVF.

As amostras do forno de Santo António da Charneca foram analisadas com o uso de espectroscopias não destrutivas, nomeadamente: micro-Raman (MR), que tem sido a nossa principal ferramenta de estudo para os vidrados coloridos e pastas cerâmicas, a espectroscopia de absorção em modo de reflectância difusa para os estudos da cor, a de absorção no infravermelho com transformadas de Fourrier (FT-IR) para a identificação de minerais e pigmentos, a luminescência induzida por laser (LIL) para a emissão de certos minerais e vidrados e a emissão de raios-X induzida por protões (PIXE), bem como a emissão de fluorescência de raios-X (XRF) para a determinação das composições elementares.

Os difractogramas revelaram-se muito úteis para a identificação dos minerais existentes em pastas ou argilas cerâmicas (XRD). O cruzamento dos resultados alcançados com estas diferentes técnicas de análise permitiu em muitos casos a obtenção de informações importantes quanto à proveniência e à tecnologia de fabrico de muitas amostras cerâmicas. Os resultados obtidos para os azulejos de Santo António da Charneca foram comparados com os de azulejos coevos provenientes de Sevilha, mas encontrados em sítios arqueológicos localizados em Portugal. Está bem documentado que o rei D. Manuel I importou em 1498 quantidades significativas de azulejos hispano-mouriscos para decorar alguns dos seus palácios.

Azulejo de aresta de Santo António da Charneca © LFVF
Azulejo de aresta do forno de Santo António da Charneca. Fotografia © LFVF.

Os resultados obtidos para os azulejos de Santo António da Charneca permitiram-nos evidenciar diferenças muito claras relativamente aos de Sevilha, quer nas pastas cerâmicas, quer nos vidrados. As argilas usadas no fabrico dos azulejos de Santo António da Charneca eram de origem Pliocénica, enquanto que as usadas em Triana foram sempre Miocénicas. Esta diferença dos materiais de partida é uma prova inequívoca da produção portuguesa de alguns dos azulejos hispano-mouriscos encontrados em território português.

BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

L.F. Vieira FERREIRA, D.S. CONCEIÇÃO, D.P. FERREIRA, L.F. SANTOS, T. M. CASIMIRO, I. Ferreira MACHADO. “Portuguese 16th century tiles from Santo António da Charneca’s kiln: a spectroscopic characterization of pigments, glazes and pastes” in Journal of Raman Spectroscopy, 45 (2014) 838-847.

L.F. Vieira FERREIRA, A. GONZALEZ, M.F.C. PEREIRA, L.F. SANTOS, T.M. CASIMIRO, D.P. FERREIRA, D.S. CONCEIÇÃO, I. Ferreira MACHADO. “Spectroscopy of 16th century Portuguese tin-glazed earthenware produced in the region of Lisbon”, Ceramics International, volume 41 Part A (2015) 13433–13446. 

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