Geralmente, a olaria e a pintura de azulejos foram áreas profissionais separadas no decorrer dos séculos XVII e XVIII. Num percurso formativo de exceção, na Real Fábrica de Louça do Rato, Francisco de Paula e Oliveira formou-se primeiro como oleiro, depois como pintor de louça, até, finalmente, passar a pintar azulejos figurativos.
Ainda que significasse um avanço em relação à situação anterior, a breve formação em desenho na Real Fábrica era primária e consistia essencialmente no exercício da cópia de gravuras. Quando Paula e Oliveira pretendeu ocupar o cargo de mestre da Fábrica, fez questão de salientar que frequentou aulas de desenho, pagas à sua própria custa, fora do âmbito da Fábrica.

Numa carta associada ao mesmo processo, escrita em 1818, Paula e Oliveira elucida-nos que, além da formação em desenho, o pintor de azulejo deveria possuir uma boa formação erudita:
Primeiramente he necessario o estudo do dezenho em todas as regras e preceitos: segundo a noção das historias Sagradas e Profanas, fabulas, história natural, tanto do mundo vegital quanto animal dos trez himisferios para com verdadeiros conhecimentos satisfazer á delineação dos diferentes caprixos particulares nos emblemas que dictão, ou mesmo reformando-os com acrescentamento, ou diminuições para constituimento das partes agradaveis, conforme ao gosto de quem os dicta, ou nos cazos de nada disso acontecer, sempre é infalível a tradução do debuxo para maior ponto no lemite do quadro que deve occupar, e o ponto de vista que deve ter, segundo se destina o assentamento dos ditos quadros.
Segundo Paula e Oliveira, que se enganou de forma desastrada no número dos hemisférios do globo, a formação de base em desenho deveria ser acompanhada pelo conhecimento, verdadeiramente enciclopédico, da história sagrada e profana, da mitologia clássica, da fauna e da flora de todos os continentes. Essas duas áreas de conhecimento capacitariam o pintor de azulejos a poder realizar um capriccio, termo italiano que utiliza em sentido lato para designar todo o tipo de paisagens ou pinturas de género, dotadas ou não de sentido simbólico.
Pela carta do pintor, fica evidente também que, na verdade, no caso do azulejo, o desenho desempenha um papel importante não no processo de criação das obras, mas sim como instrumento de adaptação entre a gravura e as dimensões do suporte arquitectónico.
De maneira inédita, ao valorizar o estatuto do pintor de azulejos, Francisco de Paula e Oliveira sublinha a importância e a enorme variedade dos temas representados nas campanhas decorativas. É nessa capacidade de realizar uma grande diversidade de temas – como paisagens, caçadas, jogos, festas galantes, chinoiserie, fábulas, cenas mitológicas, emblemas e episódios bíblicos – que reside uma boa parte da erudição profissional.

BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
PEREIRA, João Castel-Branco. Cerâmica neoclássica em Portugal. Lisboa: Instituto Português de Museus, Museu Nacional do Azulejo.
