A literatura para a educação dos jovens tem uma longa tradição na cultura do Ocidente. Os contos, os versos e as parábolas estão de tal modo entranhados na cultura geral que muitas vezes esquecemos que foram concebidos com uma finalidade expressamente pedagógica.
O passeio tranquilo pelo silêncio dos claustros foi sempre entendido como um bom momento para proporcionar alguns ensinamentos, seja no plano religioso, seja no plano moral. No caso da Sé do Porto, em louvor à mãe de Deus, os azulejos, pintados por Valentim de Almeida, ilustram os versos do Cântico dos Cânticos. No convento de São Francisco da Bahia, as lições de Séneca refletem-se nos emblemas que o pintor flamengo Otto van Veen (1556-1629) dedicou ao arquiduque Alberto de Áustria. Em ambos os casos, os painéis não se destinam a acompanhar as cogitações somente dos religiosos, mas sim de todos os visitantes.

Em 1792, quando o governo decidiu instalar as Reais Escolas de São Vicente de Fora no Mosteiro de Lisboa, encomendaram-se, para completar a já grandiosa decoração dos azulejos, mais de três dezenas de painéis com as fábulas de La Fontaine. No original eram dedicadas a “Monseigneur” Louis, o Grande Delfim, o jovem de apenas seis anos, filho de Luís XIV de França e da rainha Maria Teresa de Espanha. Na dedicatória, o poeta francês definiu os objetivos de dar voz aos animais com muita graça:
Eu canto os heróis, filhos de Esopo/ Bando cuja história, embora enganadora,/contém verdades que servem de lições./Todos falam na minha obra, mesmo os peixes:/ O que dizem se dirige a todos, assim como somos;/ Sirvo-me dos animais para instruir os homens.
A importância da educação foi também o tema central de uma das fábulas recolhidas no oitavo livro, publicado pela primeira vez, em 1678. Conta a história de dois cães nascidos da mesma ninhada, mas com sortes muito diferentes. O primeiro, de nome César, foi entregue a um grande caçador, e tornou-se, como o nome indica, o chefe progenitor da sua raça. O segundo, confiado a um cozinheiro, transformou-se num desprezível ladrão glutão.
A máxima da fábula exalta a importância de que os alunos se esforcem por desenvolver os seus melhores talentos e adequa-se à perfeição aos propósitos do estabelecimento de ensino médio gerido pelos cónegos regulares de Santo Agostinho.
BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
MARTINS, António Coimbra. As fábulas de La Fontaine de São Vicente de Fora – Les fables de La Fontaine du monastére de Saint-Vincent à Lisbonne. Lisbon: Editions Chandeigne / Gótica, 2001. ISBN 978-2-906462-84-7.
