A criação de um código de conduta moral para o homem sábio e virtuoso foi um dos objetivos fundamentais da literatura humanista. Esse foi o principal intuito da produção de emblemas, que depois foram transpostos para a arquitetura através da escultura, da pintura mural, da talha dourada e também nos azulejos.
A figuração do painel com a representação das quatro virtudes cardeais é um dos mais interessantes casos de transferência do contexto erudito para os azulejos. Como demonstrou Alexandre Pais, para a sua composição o iconógrafo utilizou quatro emblemas da obra Emblemas morales de Sebastián de Covarrubias, publicada pela primeira vez em 1610.
Na parte superior, no meio do céu, estão representadas duas palmas no interior de uma coroa, com o mote Negata Macrum, Donata Reducit Opimum, retirado de uma das epístolas do poeta Horácio. A frase, que podemos traduzir como “o fracasso me faz emagrecer e o êxito me engorda”, atesta a importância do reconhecimento público das virtudes.
À direita, um cipreste destaca-se no meio de edifícios, e a filactera com as palavras Spem Vultu Simulat, uma citação retirada do primeiro livro da Eneida de Virgílio, pede que a expressão do rosto demonstre sempre esperança, mesmo que o coração esteja entristecido. Por isso, o homem que consegue ocultar a sua dor pode ser comparado ao cipreste, que se mantém verde durante todo o ano, seja inverno ou verão.

À esquerda, um obelisco projeta a sombra da luz do sol. O mote Immotae flectitur umbra faz-nos observar que está imóvel, ainda que a sua sombra se mova. Dessa mesma forma o homem prudente deve ser como uma coluna firme. Por mais desgraças que aconteçam, a sua vontade permanece imutável perante os golpes da fortuna.
Esses três pensamentos parecem pôr-se à consideração do capitão do navio, também representado num emblema de Covarrubias. Os versos da obra de capelão de Felipe II de Espanha falam da necessidade de mantermo-nos sempre prudentes, ainda mais se as forças inimigas forem em grande número:
Quando um único batel descobre/ a armada inimiga, faça a despesa,/ e procura tomar porto seguro/ antes que esperar lhe custe caro:/ Só a fuga dê por certo/ contra a carne, singular amparo/ O homem inclinando-se ao outro extremo,/ com fugir sempre dela, à vela e remo.
Criados para exprimir uma moralidade cristã, os quatro emblemas podem ser relacionados com as quatro virtudes cardeais. O cuidado do piloto na batalha contra os prazeres carnais é a Prudência, a imobilidade do obelisco é a Fortaleza, a serenidade do cipreste é a Temperança e o reconhecimento das virtudes, a Justiça.

É notável que, na Justiça, a diferença entre a palma que dá frutos e a que seca foi adaptada através da oposição entre a cor verde do vencedor e a amarela, para representar a derrotada que sem reconhecimento não progride. É evidente que houve o cuidado do iconógrafo em preparar de forma conveniente o modelo para o pintor de azulejos.
Com frequência as quatro virtudes cardeais foram associadas a programas iconográficos de exaltação do sacramento da eucaristia, sendo provável que o painel pertencesse a um conjunto mais vasto de decoração da capela-mor de uma igreja.
BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
MONTEIRO, João Pedro (ed.). Um gosto português. O uso do azulejo no século XVII. Lisboa: Museu Nacional do Azulejo, Athena, 2012. ISBN 978-989-31-0030-1.
