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Filosofia Letras e Literatura

O riso sábio de Demócrito

Uma das fábulas de La Fontaine, ilustrada nos azulejos da Real Escola do Mosteiro de São Vicente de Fora, reconta a anedota do filósofo Demócrito que, ao contemplar a vida cotidiana de seus concidadãos, ria sem cessar.

Uma das fábulas de La Fontaine, ilustrada nos azulejos do claustro do Mosteiro de São Vicente de Fora, reconta a anedota do filósofo Demócrito que, ao contemplar a vida cotidiana de seus concidadãos, ria sem cessar. Todas as coisas, graves ou ligeiras, faziam o filósofo cair em grandes gargalhadas. Tal hilaridade inquietou os cidadãos de Abdera, que o julgavam doente e enlouquecido. A inquietação popular foi tanta que o Senado da cidade acabou por enviar uma carta a Hipócrates, solicitando que viesse à cidade examinar a saúde do ilustre pensador grego.

Démocrite et les Abdéritains. Reinier Vinkeles (I) según Jean-Baptiste Oudry, 1773
Démocrite et les Abdéritains. Reinier Vinkeles (I) segundo Jean-Baptiste Oudry, 1773. © Rijksmuseum.

Recém-chegado à cidade de Abdera, o médico encontrou Demócrito sentado à sombra de uma árvore, justamente a escrever um tratado sobre a loucura. Perguntado sobre as razões do riso, explicou que ria da insensatez do homem, vazio de obras, pueril nos projetos, sofrendo constantemente por se deixar guiar por desejos imoderados.

Obviamente, o médico mais famoso da Antiguidade concluiu pela perfeita sanidade do risonho sábio, e a moral da fábula termina com uma acérrima crítica aos preconceitos da ignorância popular, muitas vezes apodada como a voz de Deus. Se a escolha da fábula concorda bem com os objetivos de uma instituição de ensino, demonstra também uma abertura ao ecletismo filosófico, ao incluir uma história com o fundador da teoria do atomismo. Como se sabe, a física aristotélica negava a teoria de que o universo era composto por pequenas partículas, e a ideia era considerada contrária aos ensinamentos bíblicos.

Demócrito e os cidadãos de Abdera. Francisco Paula e Oliveira. Real Fábrica de Louça do Rato, c. 1792. Fotografia © Roberto Santandreu.

Esta lenta abertura do sistema de ensino em Portugal ao ecletismo filosófico tinha se iniciado nas primeiras décadas do século XVIII, e o busto do filósofo risonho foi representado nos azulejos das aulas do Convento dos Oratorianos. Com indicação dos padres de São Felipe Néri, o pintor baseou-se nas gravuras que acompanhavam a obra de Diógenes Laércio, a principal fonte para a história da filosofia da Antiguidade.

BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

MARTINS, António Coimbra. As fábulas de La Fontaine de São Vicente de Fora – Les fables de La Fontaine du monastére de Saint-Vincent à Lisbonne. Lisboa: Editions Chandeigne / Gótica, 2001. ISBN 972-792-038-1.

Lisboa, Mosteiro de São Vicente de Fora

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