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A chinoiserie familiar do Palácio Rebelo de Andrade

O gosto e a moda da chinoiserie foram o resultado direto das interações da Europa com o Oriente, no quadro da construção de uma rede global de comércio.

Em oposição à América, lar do nobre selvagem, o milenar Império da China foi sempre considerado o exemplo de uma sociedade evoluida à qual a Europa podia se comparar.

Como se sabe, os portugueses, ao estabelecerem novas rotas comerciais e intensos contatos diplomáticos, foram pioneiros no processo de reconhecimento e divulgação da diversidade cultural do Império do Meio. Entre as ordens religiosas, os jesuítas foram a guarda avançada dos contactos diplomáticos, ainda que sujeitos à supervisão de Roma.


O chá e A pesca com o corvo-marinho.
Grande Oficina de Lisboa, c. 1765. Palácio Rebelo de Andrade, Lisboa. ©
Universidade Aberta.

Essa realidade comercial e política concreta parece estar nos antípodas de uma boa parte da representação de cenas chinesas, onde impera um tom frívolo e quotidiano. Um bom exemplo dessa tendência são os azulejos feitos para o palácio que António Rebelo de Andrade mandou construir em Lisboa, nos princípios da década de 60 do século XVIII. Realizados pela Grande Oficina de Lisboa, liderada pelos pintores Sebastião de Almeida e José dos Santos Pinheiro, os painéis representam cenas em que uma figura feminina e uma criança bebem chá, divertem-se a tocarem sininhos ou dedicam-se à pesca com um corvo marinho. Desse entorno familiar fazem ainda parte um velho camponês e um jovem soldado.

Para realizem os painéis, os pintores de azulejos seguiram as gravuras que Gabriel Huquier elaborou com base nas obras de François Boucher, para compor uma galeria de personagens e costumes tradicionais. As personagens estão também presentes nos cartões que o pintor francês realizou para a famosa série de tapeçarias de Beauvais, depois enviada como presente ao imperador chinês.

Scenes of Chinese Life. Cormorant Fishing. Gabriel Huquier after François Boucher, c. 1742. The Metropolitan Museum of Art © CC0 1.0 Universal.

Scenes of Chinese Life. Cormorant Fishing. Gabriel Huquier after François Boucher, c. 1742. © The Metropolitan Museum of Art.

Como salientado por diversos historiadores, na elaboração desses cartões, Boucher representou diversos aspectos da cultura chinesa mesclados com referências às colunas torsas dos baldaquinos de São Pedro de Roma ou personagens com turbantes persas.  Por outro lado, a cuidadosa elaboração temática funciona como um duplo exótico dos concertos musicais, da dança ou das merendas nos jardins como cultivada pela aristocracia francesa. Com uma sedutora atmosfera de fantasia, foi uma espécie de convite promissor, sem impedimentos de monta, para um compromisso de aproximação com o Império Celestial.

A origem das gravuras parece confirmar a ideia de que, em Portugal, as imagens da China são um fenômeno importado, influenciado pela produção artística europeia, com poucos contatos com o cerne da história das relações luso-chinesas.

Na verdade, com uma intimidade familiar e ingénua, esses painéis de azulejo são um dos melhores exemplos de que essa nova proposta de relação cultural está também ao alcance de um novo empreendimento comercial lançado pelas reformas pombalinas. Com a vantagem de que, depois do fracassado projeto dos jesuítas, que levou à expulsão dos cristãos da China, em 1724, não implicam a construção de um consenso religioso.

A pesca com o corvo-marinho. Grande Oficina de Lisboa, c. 1765. Palácio Rebelo de Andrade, Lisboa. © Universidade Aberta.

BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

CÂMARA, Maria Alexandra Gago da. “A arte de bem viver”. A encenação do quotidiano na azulejaria portuguesa da segunda metade de setecentos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. ISBN 972-31-1128-4.

Lisboa, Palácio Rebelo de Andrade

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