Para definir o âmbito da teoria poética, o conjunto dos painéis da sala de aula do colégio jesuíta de Évora, realizado por volta de 1746, busca descrever os diversos géneros de expressão literária e todo o universo erudito dos estudos humanistas que poderiam servir aos literati.
A mensagem fundamental do discurso das imagens é a de que as peças literárias, poéticas, dramáticas ou musicais favoreçam a moral dos leitores e ouvintes – o que é o mesmo que dizer que a poética deve seguir um discurso persuasivo e unir o útil ao agradável: Quae Commiscuito Utile Dulci.
Com recurso à língua latina e à autoridade dos autores clássicos, as definições expressas nos painéis, à semelhança dos emblemas, procuram criar associações imediatas entre a figura e a palavra para formar um conceito memorável, naturalmente sucinto.
Como sugeriu o estudo de Olivier Millet, é possível estabelecer uma comparação entre as principais ideias do manual pedagógico escrito pelo professor Joseph Jouvancy e o programa iconográfico elaborado para a sala de aula de poética.
Segundo o discurso dos azulejos, na alçada da poética incluem-se os géneros dramáticos, a dança e todo o conjunto de expressões que utilizam a conjugação da imagem com a palavra, seguindo um movimento de renovação da retórica aristotélica no século XVII.

Da erudição dos professores jesuítas, além do conhecimento do grego e do latim, deveriam fazer parte a história, a retórica, a poética, a geografia, a cronologia e a emblemática, todas participantes do universo das Belas Letras. Nas palavras do professor jesuíta:
A erudição de um mestre escrupuloso não se limita a ser hábil nas línguas que mencionamos [grego e latim], mas é necessário elevar-se mais alto e conhecer certas ciências que são geralmente ensinadas à juventude, como a retórica, a poética, a história, a cronologia, a geografia, a filologia ou a polimatia, que não é tanto uma ciência bem definida, mas um conjunto de várias ciências das quais um erudito deve ter, como se diz, pelo menos um matiz.
A erudição, a doutrina ensinada com muitas letras, como definiu a Prosodia, o dicionário de Bento Pereira, foi representada por uma figura feminina que tem na mão um livro aberto com a inscrição Eruta Pricis [desenterrados do antigo], uma referência aos versos dos Fastos de Ovídio: “Sacra recognosces annalibus eruta priscis et quo sit merito quaeque notata die”.

No painel de azulejos, a estante dos livros da biblioteca abre para uma paisagem onde estão dispostos túmulos antigos cuidadosamente desenterrados e limpos, numa correlação com o vocábulo erudero que a Prosodia define como “alimpar o entulho das ruínas” e “as coisas sagradas, desenterradas da História Antiga”. Desta forma, no painel de azulejos, a erudição define-se, de maneira mais específica, como o conhecimento dos textos da história sacra.
BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL
JOUVANCY, Joseph. De la manière d’apprendre et d’enseigner: “De ratione discendi et docendi”: conformément au décret de la XIVe congrégation générale. Ouvrage destiné aux maîtres de la Société de Jésus. Tradução de H. Ferté, 1892.
MANGUCCI, António Celso. História da azulejaria portuguesa, iconografia e retórica. Tese de doutoramento, Universidade de Évora, 2020.
MILLET, Olivier. “Parole et image dans la représentation allégorique des «arts» à la fin de l’âge baroque. Notes sur quelques azulejos de l’Université d’Evora” in De la Péninsule Ibérique à l’Amérique Latine. Mélanges en l’honneur by Jean Subirats. Edição de Marie Roig Miranda, 1992, pp. 151-167.
PEREIRA, Bento. Prosodia in vocabularium bilingual, Latinum et Lusitanum digesta, 1697.
3 replies on “O discurso erudito”
Apollo and the Muses … How lovely! Who would not like to be kissed by the Muses? Every creative person needs the Muses.
Thank you for showing these beautiful tiles and sharing your knowledge about them, Celso.
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All the best, Olivia
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All the best to you as well, Celso.
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